domingo, 23 de janeiro de 2011

Recordações

Mariana Siqueira Tocantins

Minha Semana Santa

Apesar de muita ingestão de chocolates, dizem que nos ativam a serotonina,um misto de alegria e tristeza me invade quando da Semana Santa.Querendo compreender estas sensações, procuro algum fato ou momento que tenha mexido com estes sentimentos tão contraditórios.
Sempre que tento relembrar algo de minha infância, há uma rejeição. Acredito que isto aconteça por não querer mexer numa caixinha de lembranças, onde certamente irei encontrar-me com pessoas queridas que não mais fazem parte da minha vida.
Mas, movida por um querer para achar uma solução ou explicação, tomo coragem e viajo. A viagem é pelo túnel do tempo, carregando comigo uma pesada bagagem cheia de recordaçoes.
Apesar de longa, cheia de imprevistos e paradas obrigatorias,chego ao meu destino.
Desembarco meia indecisa na cidade de Miracema,em plena comemoração da Semana Santa.
Ë ainda muito cedo.O encontro com uma menininha de uns seis anos me deixa emocionada.Ela ainda está sonolenta,mas sua tia a ajuda pacientemente a se vestir colocando por último sua fitinha amarela da Cruzada. Estamos no Domingo de Ramos.Todos de sua casa já se encontram na igreja.Ela ,porém,como sempre atrasada sobe pulando de dois em dois os dégraus da grande escadaria da Matriz,que fica bem em frente à sua casa. A igreja esta lotada.Não encontrando lugar nos bancos, senta-se aos pés de um dos altares perto da Irmandade das Filhas de Maria.
Procuro ver através das brumas do tempo de qual santo,mas estão todos cobertos com panos roxos.Neste instante,fujo destas lembranças e vou de encontro a outras,ocorridas nesta mesma igreja.São passagens que me trazem muita satisfaçao:a coroação de Nossa Senhora com as mãozinhas trêmulas,o catecismo,as reuniões da cruzada,as confissões que mal sabia o que falar,as hóstias grudadas no céu da boca, os primeiros flertes nas missas das dez horas.São flashes que veem e impossiveis de serem controlados.
Mas volto. Volto justamente no momento em que a menina junto com os irmãos saem com os braços repletos de ramos,que serão entregues à sua avó.A visão de vovó cantando Santa Barbara,queimando os ramos secos e espalhando água benta pelos cantos de nossa casa,em dias de tempestade, estão vivos em minha memória.
E,assim,a viagem continua.Um empurra-empurra leva a garota ficar bem pertinho da cerimonia do lava-pés,na missa da quinta-feira santa.Ela é só emoção com esta encenação.
E,neste recuo de tempo,chego na sexta-feira da Paixão. Detalhes surgem nitidamente:ruas enfeitadas com flores,toalhas bordadas nas janelas,o jejum,a deliciosa canjica,a Via Sacra e as procissões.
As lembranças vem aos borbotões.Procuro a menina no meio da multidão de homens,mulheres e crianças que se organizam nas duas procissões que sairão por caminhos diferentes.Encontro-a observando seu pai,muito orgulhosa por vê-lo segurar umas das alças do andor de Nosso Senhor. Calmamente, ela procura o seu lugar no meio das crianças da cruzada,já organizadas cantando ''Com Minha Mãe Estarei'' acompanhando o andor de Nossa Senhora.
A caminhada para ela é longa.Rezas e cantos são entoados durante todo o percurso.
Ao longe ela avista a outra procissão que se aproxima.Imediatamente procura a companhia de uma das tias para juntas assistirem o encontro das duas procissões.
A cena de Verônica cantando e desenrolando o Santo Sudário deixa-a muito comovida.Lágrimas escorrem pelo seu pequenino rosto,acumuladas talvez pelos calos nos pés e queimaduras das mãos causadas por pingos da vela que insiste em segurar.Misturadas com as dela enxugo as minhas, emocionada com tantas recordações.
A viagem não para.Ela acorda cedo com gritos da garotada. Ao vê-los munidos de paus e pedras para o espancamento de Judas,boneco feito de trapos, sente-se justiçada.Toda dor, tristeza e sofrimento do dia anterior vão embora,com este ato da criançada. Debruçada na janela ela sorri vislumbrando dali mesmo a sua igreja,a pracinha,o coreto, o jardim com suas altas palmeiras,os jambeiros,tudo isto sem sair de sua casa.
Neste vai e vem de recordações, chego no Domingo de Páscoa. Remexo na minha caixinha a procura de um coelhinho trazendo para esta garotinha um ovinho de chocolate. Nada de coelho nem de chocolates!!!!Que frustação!!!!!!!

Um beijo grande para meus queridos irmãos.

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